top of page
FENOTIPAGEM

FRENTES DE PESQUISA

EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO

Estima-se que em torno 5% da população mundial passe por um episódio de depressão durante qualquer período de 12 meses; conforme o estudo Global Burden of Disease, 280 milhões de pessoas enfrentavam a depressão em 2019. Considerando a idade de 10 a 24 anos, a depressão é a segunda causa mais importante de anos vividos com incapacidade, ou seja, anos vividos sem saúde plena. 

 

Embora já se saiba bastante sobre a depressão, esse conhecimento em geral se baseia em dados de países de alta renda — sabemos menos sobre os adolescentes que vivem em países como o Brasil, de renda baixa ou média, porque nesses países é mais difícil fazer pesquisa. Porém, a maioria dos adolescentes no mundo todo vive exatamente nesses países

 

Considerando esses aspectos, a equipe do Prodia estuda o perfil dos adolescentes, especialmente no Brasil, para que a gente possa conhecer melhor as pessoas que queremos ajudar. Isso vai desde perguntar que tipo de rede social os adolescentes usam até entender como eles se relacionam com atividade física e investigar se a proporção de adolescentes brasileiros com depressão  é semelhante à proporção registrada em países mais ricos, qual o conjunto de sintomas que os adolescentes manifestam e como eles definem "depressão". 

 

Esse conhecimento é fundamental para que a gente possa definir tópicos de pesquisa relevantes e também para saber quais ações podem ter bons resultados, para quem e em qual contexto, tanto em termos de prevenção como em termos de apoio à saúde mental. 

 

Fatores de risco: é  possível identificar as pessoas com maior risco de depressão na adolescência?

 

A capacidade de prevenir qualquer doença está ligada ao conhecimento sobre os fatores de risco para essa condição — na maioria dos casos, uma combinação de aspectos que operam ao mesmo tempo para aumentar a vulnerabilidade. Por exemplo, na doença cardiovascular, considera-se um mix de variáveis biológicas (como ser homem ou mulher) e comportamentais (como ser fumante) para calcular o risco que cada pessoa tem de desenvolver uma doença cardíaca.Considerando a contribuição de cada variável, é possível gerar uma "nota", ou escore, que informa se o risco da pessoa é alto ou baixo, e permite o uso de estratégias de prevenção. Ou seja: não é só uma questão de ter ou não ter risco, mas também do tamanho desse risco e de quais fatores estão envolvidos para um determinado indivíduo. 

 

No caso da depressão, o conhecimento já avançou em relação a alguns fatores de risco, sendo que ter familiares com depressão é um dos mais estudados. Entretanto, também se sabe que um fator isoladamente não é suficiente para disparar a depressão; é preciso uma combinação de fatores, e ainda precisamos entender como a história familiar ou outros aspectos interagem entre si. Também se sabe pouco sobre quais fatores de risco importantes para a depressão estão ligados especificamente à adolescência, uma fase da vida que envolve mudanças físicas, mentais e sociais muito intensas. 

 

Para entender esses aspectos, o Prodia fez uma parceria com um dos maiores importantes estudos epidemiológicos já realizados no Brasil: a Coorte de Nascimentos de Pelotas de 1993. Esse estudo, desenvolvido por pesquisadores do Centro de Pesquisas Epidemiológicas e pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas, está acompanhando diversos aspectos da saúde de todas as pessoas nascidas entre 1° de janeiro e 31 de dezembro de 1993 residentes na zona urbana da cidade de Pelotas, no sul do Brasil. Utilizando dados desse estudo, os pesquisadores do Prodia reuniram variáveis sociodemográficas com evidência de associação com depressão, selecionadas pelo fato de serem específicas da adolescência e fáceis de medir — como relação com familiares e amigos, problemas escolares e uso de drogas. Isso é importante porque pode ser difícil ter informação sobre alguns fatores de risco muito utilizados. Tomando novamente como exemplo a "história familiar", muitas vezes a gente não sabe se algum membro da família já teve depressão. Da mesma forma, outros estudos que exploram escores de risco genético (chamados de escores de risco poligênico) são tecnicamente muito complexos e seus resultados ainda são inconclusivos ou difíceis de usar na prática clínica. 

 

O Prodia então agrupou as variáveis sociodemográficas em um escore cujo objetivo seria detectar o grau de risco individual para depressão. Esse escore recebeu o nome de  Identifying Depression Early in Adolescence (IDEA) Risk Score, ou IDEA-RS, porque está sendo estudado no contexto do Consórcio Internacional IDEA, do qual o Prodia faz parte. Assim, o IDEA-RS foi testado com jovens de diversos países para verificar se poderia ser usado globalmente com adolescentes ou se variava em culturas diferentes. Além disso, realizamos um estudo com adolescentes brasileiros selecionados de acordo com sua classificação nesse escore. Um grupo foi classificado como de baixo risco para depressão e outro grupo como de alto risco para depressão. Um terceiro grupo com depressão no momento da seleção foi formado. Acompanhamos esses adolescentes ao longo de 3 anos, observando que aspectos da trajetória deles poderiam se refletir em uma mudança nesse status de risco para depressão.

 

Os resultados preliminares de todas essas observações mostram que o escore de risco criado pelo Prodia é sensível para classificar o risco de depressão e vai poder ajudar no desenvolvimento de estratégias de prevenção. Esse trabalho para determinar o status de risco para depressão nos adolescentes também foi explorado em associação com diversas outras medidas (por exemplo, biológicas, de neuroimagem e qualitativas). 

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Às vezes é difícil entender a depressão — muitas gente ainda se pergunta se a depressão é ou não é uma doença, e como ela se manifesta nas pessoas afetadas.

 

Em parte, essa dificuldade resulta da natureza multifatorial e heterogênea da depressão:  uma doença que se apresenta de modos diferentes em pessoas diferentes, com níveis distintos de gravidade e um desenvolvimento ao longo do tempo que pode variar. Atualmente, clínicos e pesquisadores acreditam que não basta apenas diagnosticar uma pessoa como "tendo ou não tendo depressão" — para a prevenção, acompanhamento e tratamento desse transtorno, precisamos entender aspectos contextuais (por exemplo, onde a pessoa mora ou estuda, como se relaciona com seus pais ou cuidadores, o tipo de casa em que vive),  aspectos individuais (por exemplo, sexo, idade, características da personalidade, história de vida), o conjunto de sintomas que a pessoa apresenta e quais desses sintomas são os mais determinantes em cada caso específico. 

 

Isso tem implicações para questões importantes, como o diagnóstico. Em geral, o diagnóstico da depressão é feito a partir de critérios operacionais que se baseiam na presença ou ausência de determinados sintomas. O número de sintomas presentes é um importante indicador de gravidade, mas em geral os escores gerados somam sintomas atribuindo a mesma importância a todos os itens — por exemplo, o cansaço, um sintoma mais genérico, tem o mesmo peso da falta de prazer (anedonia). Sabemos, entretanto, que sintomas diferentes podem indicar níveis de gravidade diferentes — e, mais do que isso: que a cada experiência de cada pessoa afetada pela depressão é única.

 

De fato, o nosso grupo já demonstrou que conjuntos diferentes de sintomas podem determinar uma resposta diferente de adolescentes ao tratamento da depressão com psicoterapias ou com medicamentos. Ou seja, observamos que o tratamento era mais eficaz em adolescentes com um conjunto de sintomas que incluía humor deprimido, dificuldade em se divertir, retraimento social, problemas de sono, cansaço excessivo, dificuldades na escola e irritabilidade, e menos eficaz em adolescentes com um conjunto diferente de sintomas. Reconhecer as diferenças na apresentação clínica é, portanto, essencial na escolha do melhor tratamento para cada adolescente, assim como para o avanço de estratégias de prevenção e para o desenvolvimento de pesquisa em depressão.

ABORDAGEM QUALITATIVA

Compreender a depressão como resultado da interação de inúmeros elementos envolve estudar o transtorno a partir de diversas disciplinas, como psiquiatria, psicologia, neuroimagem e cronobiologia, entre tantas; e envolve também expandir as possibilidades dessas disciplinas com métodos diferentes de coletar e cruzar informações. 

 

Entre esses métodos, a abordagem qualitativa pode ser usada para contextualizar fenômenos e colocar em evidência as percepções e vivências dos participantes. Isso pode ser feito através de entrevistas, grupos focais ou observação participante. A abordagem qualitativa pode ser especialmente importante no caso da depressão, uma vez que os aspectos do cotidiano — por exemplo, relação com os pais, com os colegas, situação socioeconômica e  outros aspectos culturais — podem nos auxiliar a entender quando, por quem e como a depressão é vivenciada durante a adolescência. Esse enfoque também é produtivo para os adolescentes porque permite que eles expressem a sua opinião ou o seu modo de ver as coisas. Como a maior parte das pesquisas são desenvolvidas por adultos para adultos, perguntar aos adolescentes no que eles gostariam de ser ajudados e como acham que isso deveria ser feito é muito relevante. E, em geral, a abordagem qualitativa é o melhor jeito para isso. 

 

A experiência do Prodia com a pesquisa qualitativa trouxe resultados muito relevantes que não poderiam ter sido alcançados com outros métodos. Por exemplo, em um estudo investigamos a percepção de um grupo de adolescentes do sul do Brasil sobre a depressão. A partir de entrevistas, constatamos que o isolamento social é uma característica central da depressão para esses adolescentes. Ainda, considerando que a participação dos adolescentes em nossa pesquisa poderia revelar um diagnóstico de depressão, procuramos entender qual seria o impacto de receber esse diagnóstico. Para alguns adolescentes, era difícil de entender os sentimentos daquele momento como parte de uma doença, ou de expressar a dificuldade de compartilhar a informação com outras pessoas. Todos esses pontos poderiam ter implicações, como dificuldade para procurar ajuda, descrença no tratamento ou estigma sobre a própria condição. 

 

Outra aplicação interessante da abordagem qualitativa é a oportunidade de perguntar aos participantes a opinião deles sobre ferramentas ou métodos de pesquisa. Em um estudo, a abordagem metodológica foi utilizada para saber a opinião de diversos grupos sobre um aplicativo que prevê o risco de depressão (uma calculadora de risco). Em outro projeto, os adolescentes testaram um aplicativo de celular que seria usado para coleta de dados, e fizeram várias sugestões relevantes. Assim, o aplicativo foi ajustado conforme as sugestões antes de ser utilizado na pesquisa. 

FENOTIPAGEM DIGITAL

Para além da busca de características biológicas e neurobiológicas que podem ajudar na identificação da depressão o mais cedo possível, o avanço rápido das tecnologias digitais é especialmente útil para a saúde mental. Com informações captadas por equipamentos digitais (como telefones ou monitores de atividade), podemos gerar o que se chama de "fenótipo digital": um conjunto de variáveis digitais que poderiam identificar risco ou presença de depressão. 

 

Atualmente, os smartphones representam uma ferramenta relativamente acessível para coletar dados e monitorar eventos do dia a dia no momento e no lugar onde ocorrem — informações sobre sono, movimentação, região geográfica de moradia, dados sobre interação do indivíduo com pessoas e lugares, com registro de trajetos geográficos por GPS, padrões de mobilidade por acelerômetro e dados de áudio captados por microfone, entre outros. Esses dados podem ser coletados de forma passiva, isto é, dependem em geral apenas da utilização usual de dispositivos pelo indivíduo, o que amplia enormemente a possibilidade de captação de informações.


No Prodia, estamos usando a fenotipagem digital para entender as mudanças na saúde mental ao longo de três anos em um grupo de adolescentes. Esse estudo envolveu também a coleta de informações usando um chatbot através do WhatsApp (IDEABot). Nesse caso, os adolescentes tinham que se envolver ativamente e responder um questionário de monitoramento de saúde mental ou outras perguntas. Também podiam enviar áudios pelo aplicativo, sempre que quisessem. Uma das grandes vantagens desse método de coleta é que as respostas são dadas no ambiente do participante, muitas vezes em momentos próximos de situações boas ou ruins que podem influenciar a saúde mental. Ao contrário, nos consultórios ou ambientes de pesquisa, os pacientes muitas vezes precisam passar informações sobre um período do passado (por exemplo, as últimas semanas) e precisam para isso depender da memória, o que pode influenciar quais informações eles compartilham.

ATIVIDADE FÍSICA E SONO

Uma das coisas que torna os adolescentes diferentes tanto das crianças quanto dos adultos é o cérebro: embora ele não aumente tanto de tamanho nessa fase, como acontece na infância, o cérebro dos adolescentes continua a se desenvolver, um processo que só termina depois dos 20 anos. Fazer atividades físicas regularmente e ter um bom sono ajudam muito no desenvolvimento do cérebro na adolescência.

 

Para estudar aspectos da atividade física, os pesquisadores do Prodia perguntaram a um grupo de mais de 7 mil adolescentes sobre seus hábitos de exercício — quantos dias por semana e qual a intensidade da atividade que eles praticavam. Os resultados mostraram que a maioria (84%) do grupo se exercitava menos do que o ideal, e que aqueles que se exercitavam menos ou faziam exercícios menos fortes ou intensos tinham mais sintomas de depressão. 

 

Em relação ao sono, sabe-se que os adolescentes podem ter um padrão irregular, com insônia e dificuldade de continuar dormindo depois de pegar no sono. Junto com a exposição à luz artificial durante a noite, esses fatores podem contribuir para episódios de depressão. Um estudo do Prodia que usou uma combinação de questionários com actígrafo (uma espécie de relógio de pulso que serve para monitorar atividades diárias, incluindo padrões de sono) também observou que aspectos como insônia ou mais exposição à luz artificial eram mais comuns em adolescentes com depressão. 

 

Outro resultado importante deste estudo foi relacionado à mudança no relógio biológico dos adolescentes, que tendem a querer dormir mais tarde e acordar mais tarde — o que nem sempre é possível, porque o horário de muitos compromissos (por exemplo a escola) não muda junto. Sendo assim, em finais de semana ou feriados os adolescentes muitas vezes dormem mais. A diferença entre esse tempo de sono nos dias de semana e nos dias livres se chama jetlag social. O estudo do Prodia mostrou que o jetlag social de todos os participantes era em média de 2 horas; porém os adolescentes com depressão tinham um jetlag social bem maior, de mais de 3 horas. 

NEUROBIOLOGIA

Uma característica da depressão (e em geral dos transtornos mentais) é que eles ainda não podem ser diagnosticados ou acompanhados por um exame de laboratório ou de imagem. Por exemplo: um exame de sangue serve para identificar várias doenças, e serve também para saber se os remédios estão ajudando o paciente. Em outros casos, um exame de imagem, como um raio x ou uma tomografia, também consegue detectar e acompanhar a trajetória de uma doença (por exemplo, pneumonia). Então, existe um grande esforço de pesquisadores em todo o mundo para entender se existe alguma mudança no cérebro (tanto na estrutura quanto no funcionamento) ou em outro mecanismo biológico do corpo (como aumento ou diminuição dos níveis de alguma substância no sangue) que poderia ajudar a identificar a depressão o mais cedo possível. 

Entre as substâncias no sangue que os pesquisadores em todo o mundo acreditam que poderiam ajudar a identificar a depressão ou o risco de depressão em adolescentes estão o hormônio cortisol e algumas proteínas que sinalizam inflamação. No entanto, em geral os estudos que já existem foram feitos com adultos; e, levando em consideração os aspectos que diferenciam a adolescência, especialmente o grande número de mudanças físicas, mentais e sociais que acontecem nessa fase, o que vale para os adultos nem sempre vale sempre para os adolescentes. 

 

O nosso time de pesquisadores tem estudos avaliando a relação da depressão com vários desses mecanismos biológicos (cortisol, inflamação, proteínas e resposta imunológica). Alguns resultados preliminares mostraram uma relação entre risco de depressão determinado por um conjunto de fatores psicossociais — reunidos em um escore de risco (IDEA-RS) desenvolvido pelo nosso grupo — e a presença de inflamação de baixo grau seis anos mais tarde. Isso poderia sugerir que esse conjunto de fatores psicossociais que determinam o risco de depressão são incorporados biologicamente ao longo do tempo. Outro estudo encontrou uma associação entre duas proteínas inflamatórias e determinados sintomas de depressão, sugerindo que análises específicas relacionadas a marcadores biológicos podem ajudar no entendimento da heterogeneidade da depressão.

 

Em relação à estrutura e funcionamento do cérebro, através de estudos de neuroimagem, nosso grupo encontrou evidências preliminares de uma relação entre a função cerebral medida durante a execução de certas tarefas em uma ressonância magnética funcional e ter risco ou diagnóstico de depressão no momento do exame. Outro estudo com o mesmo grupo não observou nenhuma diferença no volume, área e espessura das estruturas cerebrais. 

Apresentção Clínica
ABORDAGEM QUALITTIVA
ATIVIDADE FISICA
NEUROBIOLOGIA
bottom of page